por @fabio_piva
Ei, psiu… Você aí, que já acorda todo contente, saltitando pelos campos. É, você mesmo, que se levanta alegre no domingo por ainda não ser segunda, e também na segunda porque… ah, porque a vida é bela e é preciso ser feliz. Você, que sorri para as manhãs ensolaradas porque são belas, e também para as chuvosas, porque a chuva molha as plantinhas — e as plantinhas são, como todos sabem, nossas amigas. Eu estou aqui para lhe dizer que o apóio incondicionalmente. Mas não o compreendo.
Na verdade, não só não compreendo como não posso nem argumentar em favor de alguém que acorda de bom humor — quando a natureza obviamente tomou todas as precauções para que pudéssemos ostentar nosso mau humor matinal sem que isso sequer interferisse no bom andamento da humanidade. Reparem: Acordamos fotossensíveis, de cara amassada e exalando odores duvidosos, de forma que nenhum outro membro da espécie deveria sentir-se particularmente inclinado a aproximar-se de nós nas primeiras horas do dia. E mesmo quando algum desavisado insiste em fazê-lo, estará relativamente seguro: Nesse período, nosso mau humor é proporcional à nossa falta de agilidade, o que nos garante desvantagem considerável no caso de cedermos à tentação de encher o mala de porrada. Parece que a evolução favorece os primeiros clientes diários das padarias.
Por esta razão, não acho que exista no mundo cumprimento mais cínico que o “bom dia”. Receber quem chega logo cedo com “bom dia” é, ao meu ver, a maior indelicadeza que se pode cometer, e está no mesmo patamar que saudar com “seja bem vindo!” quem chega para ser internado em uma clínica de rehabilitação, ou despedir-se com um “volte sempre!” de quem sai de um hospital. “Bom dia, Fabio!” pode ser facilmente traduzido para “Rá, você também se fodeu por ter que estar aqui tão cedo, Fabio!”. Um “meus pêsames” ou talvez um “que droga, né?” seria muito mais autêntico e — isso sim — coisa de amigo, mesmo.
A carga negativa do “bom dia” só vai se atenuando à medida que a manhã mingua, ou seja, ao passo em que se torna mais adequado o jovial e — esse sim, muito mais acolhedor e educado — “boa tarde”. O “boa tarde” traz implícito a idéia de satisfação por você só ter dado as caras quando já é humanamente plausível de se estar de pé — ou seja, após o meio dia. Algo como “Oi. Estou muito feliz por não tê-lo encontrado até agora – espero que tenha estado na cama até dez minutos atrás”. E mesmo o mais vil dos “boa tardes” ainda é muito melhor que qualquer “bom dia” — basta notar que um sarcástico “boa tarde, né?” equivale a um “Notei sua ausência até o presente momento, e o invejo mortalmente por isso”.
Por todas essas razões, muitos de nós evitam acordar antes do meio dia, e isso nos rende a inevitável fama de preguiçosos. O que é, em geral, de uma ironia tremenda — pois o sujeito que me chama de preguiçoso é o mesmo que acorda todos os dias cedinho, descansado após uma deliciosa noite de sono, enquanto eu estou indo dormir após trabalhar feito doido madrugada a dentro. E nem me venha com justificativas saudáveis para madrugar: Eu nunca, em hipótese alguma, nem se minha vida sedentária dependese disso, sairia da cama com algum propósito saudável como correr, respirar o ar puro da manhã ou algo que o valha. O sol da manhã reage sobre mim como se eu fosse um vampiro (desses antiquados que não brilham, a saber), e o sereno é a minha água benta.
Por isso, se eu em alguma oportunidade não te desejar um bom dia, não se ofenda — talvez eu só esteja sendo educado. Talvez só esteja esperando mais algumas horas para desejar-lhe um “boa tarde”. E procure não me julgar por detestar as manhãs — ao invés disso, ofereça-me um café e seja tão paciente com o meu mau humor quanto eu sou com o seu bom humor. Prometo que assim, nos daremos melhor.
Imagens Mean Cards